Na Bahia, o cenário de novos casos de HIV entre pessoas com mais de 60 anos segue em preocupante tendência de crescimento. Segundo a Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVEP), houve um aumento de 119% nos diagnósticos nessa faixa etária ao longo dos últimos dez anos, com um pico em 2023, quando foram registrados 155 novos casos. Salvador, a capital, reflete a gravidade da situação, com um aumento de 67,7% entre 2022 e 2023, passando de 31 para 52 casos reportados.
Esse quadro na Bahia acompanha a alarmante tendência nacional. No Brasil, o número de casos de HIV em pessoas com mais de 60 anos cresceu 416% na última década, saltando de 378 casos em 2012 para 1.951 em 2022. Além disso, a proporção de idosos infectados subiu de 2% para 4% entre todas as novas infecções registradas, segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde.
Impacto da epidemia
Os dados reforçam a necessidade de atenção durante o Dezembro Vermelho, campanha nacional de conscientização sobre HIV/Aids que busca promover a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, para reduzir um impacto de epidemia no país.
Para Myllene Almeida, técnica da Coordenação Estadual de HIV/Aids, a longevidade crescente e a permanência da vida sexual ativa em idosos explicam parte do fenômeno. “O envelhecimento populacional é uma tendência mundial. Na Bahia, o incremento de 119% nos últimos 10 anos nos permite avaliar que a idade não é um limite para a atividade sexual”, explica.
A SESAB tem intensificado ações para combater esse crescimento. Além da ampliação de testes rápidos e autotestes, o estado oferece profilaxias Pré e Pós-Exposição (PrEP e PEP), preservativos e lubrificantes. “Enfatiza-se que a sexualidade não torna as pessoas mais vulneráveis a contraírem o HIV, mas sim as práticas sexuais desprotegidas, sendo esse um pressuposto estendido a todas as idades, e não apenas aos idosos”, acrescenta Myllene.
Contágio imprevisto
Maria Santos, 72, descobriu que vivia com HIV em 2002, dois anos após a morte de seu marido. “Fui ao laboratório fazer um exame de rotina e me ofereceram o teste. Quando o resultado saiu, veio a notícia. Descobri que havia contraído o vírus do meu esposo, mas só soube disso após ele falecer”, relata.
O diagnóstico trouxe um turbilhão de emoções, mas também a chance de buscar apoio. Maria encontrou acolhimento no Instituto Conceição Macedo, em Salvador. “No início, foi muito difícil, mas no instituto me senti acolhida. Participo de atividades e hoje ajudo como voluntária, o que me dá forças para continuar”, conta.
Casos como o de Maria são comuns entre as mulheres mais velhas que chegam ao Instituto Conceição Macedo. “Atendemos muitas idosas que foram infectadas por seus maridos. É algo devastador para elas, porque muitas vezes acreditavam que estavam protegidas dentro de uma relação estável”, explica Conceição Macedo, fundadora da instituição.
Além da dor do diagnóstico, essas mulheres enfrentam o estigma e o medo de contar para os familiares. “Elas chegam aqui com vergonha, preocupadas com o que os vizinhos ou parentes vão pensar. Nosso trabalho é oferecer acolhimento e respeito, além de orientar sobre os cuidados necessários”, ressalta Conceição.
Vencendo preconceitos
A fundadora do instituto, Conceição Macedo, 80 anos, iniciou esse trabalho nos anos 1980, quando o preconceito em relação ao HIV era mais severo. “Na década de 1980, ninguém queria tratar pacientes com HIV. Médicos e enfermeiros tinham medo. Foi quando decidi alugar um quarto para acolher as pessoas que ninguém queria ajudar”.
Hoje, a instituição atende idosos, jovens e crianças em situação de vulnerabilidade. Conceição lamenta a falta de apoio. “Precisamos de uma casa maior. Só temos um banheiro e atendo idosos que chegam sem espaço nem para sentar. É muito difícil”. Apesar das dificuldades, ela segue com um recado otimista. “Quem vive com HIV pode ter uma vida longa e controlada. Aqui, ajudamos com o que é preciso, prevenção, tratamento e solidariedade”.
Reforço na prevenção
Na Bahia, a SESAB tem reforçado campanhas de conscientização e ampliado o acesso a ferramentas de prevenção. A testagem em massa, em eventos de grande porte, também tem ajudado no diagnóstico precoce.
Segundo Myllene, a sensibilização das equipes de saúde, para ampliar os testes rápidos em idosos, é essencial. “Houve ampliação na oferta de testes rápidos e autotestes, principalmente na atenção básica, uma vez que esta é a porta de entrada para os serviços de saúde”.
Especialistas alertam que a tendência de aumento nos casos de HIV entre idosos não será revertida sem esforços contínuos. Maria Santos e Conceição Macedo concordam que é necessário romper com tabus sobre a sexualidade na terceira idade e garantir um acolhimento digno a todos.
“Enquanto a sociedade não enxergar que idosos também têm vida sexual e precisam de informação, o número de casos vai continuar crescendo. Prevenção e acolhimento são fundamentais”, pontua Macedo.
Fonte Atarde