Uma mulher desistiu de entregar para adoção e recuperou a guarda do filho após 47 dias, na Bahia. Segundo a Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA), a mãe escondeu a gravidez da família, decidiu entregar o menino após o parto, mas se arrependeu.
De acordo com a DPE, que atuou no caso, a mulher, que teve a identidade preservada, é mãe solo de duas crianças e enfrentou uma gravidez indesejada em segredo.
A recuperação da guarda aconteceu após a realização de um exame de DNA, que comprovou que ela era mãe biológica do bebê. Quando entregou ao Conselho tutelar, ela se apresentou como outra pessoa.
Enquanto o bebê estava institucionalizado, a mãe corria atrás dos trâmites legais para tê-lo de volta e sequer podia ver fotos da criança.
“Foram os 47 dias mais difíceis da minha vida. Eu passava as noites em claro, sem conseguir dormir, sem alegria, pensando nele”, desabafou.
Na avaliação do defensor público Fábio Fonseca, o trabalho realizado pela Defensoria cumpriu o princípio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prioriza a manutenção da criança no contexto familiar.
“A criança sequer tinha certidão de nascimento, conseguimos garantir a guarda apenas com o exame de DNA. A celeridade com que conseguimos provar que ela é a genitora biológica foi essencial para evitar que o bebê fosse disponibilizado para adoção”, avaliou.
Após o resultado do exame, a Defensoria ingressou com uma ação judicial para reconhecimento de maternidade e liminar de guarda provisória.
De acordo com Fábio Fonseca, caso o arrependimento tivesse ocorrido muito tempo depois da entrega, a discussão sobre a guarda deveria ser feita no âmbito do processo de adoção, tornando a situação ainda mais complexa.
Com a guarda deferida, o bebê voltou para os braços da genitora e ambos tiveram garantido o direito ao aleitamento materno. Agora, as partes aguardam os trâmites para reconhecimento de maternidade e registro de nascimento da criança.
Escuta e acolhimento
Segundo a baiana, não fossem os julgamentos que tinha recebido da família na gestação anterior, quando era menor de idade, e o temor de receber de outras pessoas pessoas, ela não teria entregado o filho para adoção.
“Quando descobri a terceira gravidez, sabia que ia lidar com o julgamento da minha família. Por isso escolhi esconder de todo mundo”, lembrou.
O medo de ser criticada era tamanho que, mesmo após ter acesso às informações sobre como proceder para fazer a entrega voluntária, ela hesitou em comparecer à Vara da Infância e Juventude da cidade em que mora para manifestar a vontade.
“Meu receio era encontrar algum conhecido e ser descoberta”.
Após nove meses de gestação e sofrimento psicológico, a mãe do menino deu à luz sozinha e fez a entrega ao Conselho Tutelar.
“No momento em que tiraram ele do meu braço, meu coração já doeu. Entreguei com o coração partido, mas acreditando que seria o melhor”, lembrou.
Entrega voluntária para adoção
Prevista pelo ECA, a entrega voluntária é um direito das pessoas que gestam e tem o objetivo de garantir a integridade e os interesses da criança. Por outro lado, desamparar ou expor um bebê a perigo constitui crime de abandono de recém-nascido(a).
De acordo com a Defensoria Pública da Bahia, ao entregar o bebê para adoção, a mulher não cometeu crime. Pelo contrário, fez uso de um direito que lhe assiste, ainda que não tenha adotado os caminhos oficiais.
A Lei 13.509/2017 determina que gestantes ou mães com interesse em entregar a criança para adoção devem ser encaminhadas à Justiça da Infância e Juventude, onde passarão por avaliação de uma equipe multidisciplinar.
“É importante que essas pessoas sejam ouvidas por profissionais que ofereçam o acolhimento e que possam analisar os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal. Há uma demanda psicossocial que precisa ser atendida sem constragimentos”, explicou o assistente social Júlio Pinheiro.
O tratamento acolhedor e humanizado é diretriz prevista em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também aborda o segredo de justiça para esses casos.
Nas unidades da Defensoria Pública, as mulheres que desejam fazer a entrega voluntária também encontram suporte psicossocial e orientações para realizar o procedimento dentro dos termos previstos em lei e integração com a rede de proteção social.
A lei de entrega voluntária prevê a possibilidade de desistência dos genitores que pode ser manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional;
A criança será mantida com os genitores e determinada pela Justiça da Infância e da Juventude, acompanhamento familiar pelo prazo de 180 dias;
Mesmo após extinção do poder familiar, a resolução determina o prazo de 10 dias para arrependimento dos genitores.